Sou educadora e escritora

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

SACO DE DINDIM

Por Elany Morais - SACO DE DINDIM -

O que vou relatar é tão misterioso quanto à morte. Eu queria poder não usar o senso melancólico que habita em mim, ao lado da minha veia humorística, que é o que me redime de toda desgraça que povoa a vida.

Por algum tempo, as áreas rurais do município de Caxias, do Maranhão, eram tão isoladas do centro urbano que muitos dos moradores desses locais esperavam o verão chegar para irem à cidade, fazer seus compras básicas. Dias festivos eram quando muitos se destinavam para lojas, comércios... Era uma farra. Nesses dias, os cabelos ganhavam nova roupagem. As senhoras amarravam um pano sobre a cabeça, o que elas chamavam de "touço". Por baixo das saias, fazia necessário um short com bolsos para guardar os seus tostões.

Noite de véspera do grande acontecimento( ida para a cidade) era noite de muita ansiedade e pouco sono. À espera da partida para a grande aventura era infinita. Três da manhã, pés e rostos já estavam asseados, roupas brancas, limpas e mal passadas já estavam nos corpos. O café descia pela garganta aos atropelos. Portas de talos batiam às pressas. Era preciso andar muitos quilômetros para não perder o transporte, que nunca esperava pelos retardatários.

À distância, olhos fitavam o carro que já acelerava para dá partida. O transporte estava bem caracterizado para o feito. Uma lona cobria os bancos de madeira, assentos dos viajantes, era o que todos o chamavam de pau-de-arara. Por fim, todos se acomodavam em seus devidos lugares.

A viagem se inicia. Nos primeiros minutos, o silêncio tomava conta de todos. Com o decorrer do tempo, começavam-se as conversas, os causos a serem contados, o viado que foi morto, a cutia que fugiu, o vizinho que foi cobrado. Havia momentos, que parecia que as línguas pediam pausas. Ouvia-se suspiros, promessas... Depois risadas.

Momento da chegada à cidade, cabeças erguiam-se, tudo parecia imponente para aquelas almas simples e cheias de esperanças.
Era preciso, às pressas, comprar tudo do que se precisava até o próximo verão. Dever cumprindo. Era hora do retorno. O estômago gritava alimento, o cansaço chegava sem permissão. Todos novamente, retomavam a seus lugares. De repente, uma novidade, um garoto, ao lado do carro, gritava freneticamente: " olha o dindim". Conceição pensou:

- Já vi tantas pessoas dizem que esse tal dindim é bom. Não custa nada experimentar, além do mais,  a fome já me assedia.

Foi então, que Conceição resolveu comprar o tal geladinho, como é conhecido em outras regiões do Brasil. Ela recebeu o alimento com um olhar bastante curioso. Apalpou-o, e começou a passar a língua no saco do dindim. O carrou saiu, com um tremor de quem está prestes a se desmontar ali mesmo. O tempo passa e D. Conceição continua a acariciar o saco do dindim com a língua, a temperatura esquenta, e por fim, o geladinho transforma-se apenas em um líquido quente, intragável. Já ao chegar em casa, D. Conceição olha-me, mostra-me o saco murcho, com tudo dentro, tudo aquilo o que ela deveria ter consumido, e diz-me:

- Vou jogar isto fora. E ainda dizem que isso é bom.

Eu olhei atentamente para D. Conceição, percebendo que ela não havia furado o saco do dindim. Fiquei algum tempo pensando como aquela senhora passou a viagem toda com aquele saco na boca sem ao menos perfurar o recipiente para poder saborear o alimento. Então, eu falei com uma vozinha tímida:

- D. Conceição, a senhora teria que fazer um furo no saco do dindim para poder ingerir o que havia dentro dele.

D. Conceição olhou para mim, com um ar reprovativo e lançou dindim quente e murcho, bem longe. Eu o vi dá cambalhota no ar.

Desde esse dia que passei a dizer isto: fure o saco, sinta o conteúdo que há dentro dele, para poder julgá-lo com propriedade.

Caxias – MA, 09 de janeiro de 2014.

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