INSÔNIA
Elany Morais
Quando se descobre o prazer de se estar sozinho, um padecer a menos. Mágicas
acontecem. Nas últimas horas mortas da noite, meus olhos teimam em querer ver o
nada. É nesse momento, que me ponho a arrastar os pés sobre o frio do chão. Se
eu tivesse coragem de tomar um café, ele me cairia bem. Ouvidos esticados e
atentos, mas só ouço o sibilar tímido do vento sobre as folhas de minha
mangueira. Meus pensamentos todos sozinhos na imensidão do silêncio. Nada
frustra meu nada. Sou eu num vazio desejado. Nem mesmo aquelas mensagens que me
chegam, no celular, como se eu fosse a destinatária, interrompem meu sossego
noturno.
Refestelada em minha poltrona, ponho-me a deliciar-me comigo mesma. Sou
minha, o silêncio é meu. O poder de estar feliz é meu. Se outros olhos me
vissem, nesse momento, julgaria-me uma anciã sem futuro, cansada, desejosa do
sono eterno. Mas na verdade, eu estava ali apenas libertando-me do cárcere
mundano.
De repente, percebo o dia mover-se devagarinho, a desvencilhar-se de
suas cobertas, preparando-se para agir no mundo como um moinho. Ouço um cantar duplo. Dois
bem-ti-vis fazem o concerto matutino. Vou à janela, deparo-me com o sol a
piscar um olho para mim, como se fosse cúmplice da minha insônia. Detenho-me
ali por mais alguns instantes, a sentir o burburinho urbano crescer. O som dos
pássaros é interrompido por uma batida um tanto superficial, era o marceneiro
vizinho com suas armas de construção. Jogo os braços sobre a janela, com olhos
fixos nas luzes da rua que ainda acesas estavam, eu percebia que era o fim do
espetáculo delas, era hora de recolherem-se. As folhas de minha mangueira
abriam-se vigorosamente, prontas para a batalha diária. Todos acordavam. As
crianças pré-escolares choravam, possuídas pela preguiça matinal, penso que a
leve frieza convidava os pequenos para o aconchego dos lençóis.
Enquanto o mundo despertava, eu precisava adormecer, mesmo que fosse por
um instante só.
Todos dos direitos reservados a Elany Morais
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