Sou educadora e escritora

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

INFÂNCIA PARTE II



 Cresci entre cajus e bananeiras. Nada de tardes fagueiras.

Lembro-me daquele homem austero, de feições de pouco prazer. De muitos amigos, mas de poucos pedidos. A cada dia, ele me ensinava que não se devia pedir. Pedir... era o manto da humilhação.

Todos os dias, eu me detinha a contemplar o rosto daquele senhor, na tentativa de descobrir seus verdadeiros sentimentos pela minha franzina pessoa. Porém, isso não era atividade de fácil execução. Ele parecia um cofre trancada às setes chaves.

Eu sabia que ele não era meu pai, contudo, eu não compreendia por que não podia ser. Eu brincava de faz-de-conta que ele me guardava. Para mim, existia um imenso mistério nos passos do meu pai de brinquedo. Frequentemente, ele entrava e saía por uma porta. Eu parava, fitava-o com um olhar curioso e desconfiado.

Meu desejo de cometer um crime era grande, incontrolável. Meu temível crime era perguntar o porquê de seus passos soarem pela soleira da porta, por que o vulto dele sumia dos meus olhos sempre. Eu sabia que minha boca não podia abrir, minha língua tinha que ficar quieta. Algumas vezes, a furto, segurei a minha faladeira, mas parecia que ela já possuía o espírito da desobediência. À muito custo, conduzi meus passos para embaixo de uma mesinha na sala. Mesinha? Digo mesinha hoje, pois na época, esse objeto parecia a ponte do Rio Niterói. Eu não percebia que meus olhos eram do tamanho do mar, por isso tudo parecia maior do que realmente era. Penso que o amor daquele homem nem era grande como eu pensava, mas como saber? Ele já dorme no pó da terra, também não sei por que não posso mais ouvir seus passos na soleira da porta. Tudo é mistério.

Elany Morais


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